segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A U D I Ê N C I A N Ã O É A N U Ê N C I A !

       
                                                                       


Florianópolis, fevereiro de 2010  
  


Há muito se fala sobre a forma como as Audiências P  blicas em geral são mal conduzidas, não geram ganhos qualitativos e perderam sua importância no debate. Depois da Constituição de 88, dispositivos garantem a livre opinião  e  a  transparência  na  condução  da  coisa  pública,  razões  maiores  para  a  existência  de  todas  as Audiências  Públicas. Acontece  que,  jamais  houve  um  dispositivo  legal  que estabelecesse  um  roteiro  básico obrigatório, que indicasse como deveria acontecer início, meio e fim desse importante momento da nossa vida  democrática depois dos anos de ditadura militar, época em que reunião de três pessoas era subversão.  
  


Praticamente  em  todas  as  áreas  da  gestão  pública  acontecem  Audiências,  e  assim  como  começaram  a proliferar, também começaram a evidenciar suas deficiências, mas acima de tudo, suas deformidades à luz de  
uma  padronização,  resultado  da  ausência  de  uma  mínima  normatização  formal.  Assim,  praticamente  cada órgão público de licenciamento ambiental, por exemplo, estabelece a “sua forma” de fazer suas APs, aplicando  
um  “regimento  interno”  gestado  normalmente  em  seus  departamentos  jurídicos.  O  método  deve  atender, porém, aos acordos políticos estabelecidos entre seus maiores dirigentes e as forças políticas e econômicas  
que os sustentam nos cargos. Em suma, os acordos políticos “estabelecem” as regras do jogo nas APs.  
  


É voz corrente nos movimentos sociais que as APs se transformaram, na maioria das vezes, em verdadeiros espetáculos teatrais, mera execução de uma obrigatoriedade legal que, na prática, não acarreta riscos aos  
agentes públicos e aos projetos envolvidos, pois inócuas são para operar possíveis alterações no curso dos processos de análise para os licenciamentos de toda ordem, assim como a formulação/implantação de políticas  
públicas nas diferentes esferas do Estado. Politicamente, apenas servem para legitimar a participação popular.  
  


Na grande maioria dos casos a divulgação é pífia e ineficiente – que, em geral, se resume a um edital afixado  em algum mural no órgão que a promove. Anúncios em rádios, chamadas em televisão, nem pensar. Também, em geral não há registros fidedignos que posteriormente possam ser utilizados pelos demais interessados no  assunto: promotores públicos, entidades, justiça, e os demais órgãos públicos envolvidos. Poucas resultam em “atas”,  e  quando  existem,  são  normalmente  mal  feitas,  genéricas  e,  na  maioria  dos  casos,  omissas  em  
questões importantes, cheias de erros – até mesmo factuais, inconclusivas, entre outras características que, somadas, conotam imenso descaso para com aquilo que deveria ser um momento importante na análise dos  
processos: a opinião do povo sobre o tema em pauta. “Povo” leia-se: instituições acadêmicas e especialistas; ONGs atuantes na área; apresentação de estudos já realizados sobre o tema; o morador local; etc...  
  


Mas um aspecto que mais chama atenção nas APs de forma geral, é que seus regimentos internos, quando existem, impedem uma manifestação efetiva e autêntica por parte da sociedade: impõe todo tipo de armadilha  
regimental  para  cercear  a  palavra  à  população,  privilegiando  os  empreendedores,  os  quais,  via  de  regra,dispõe de espaço quase ilimitado para expor seus “produtos”, ao passo que às pessoas da comunidade, é dado  
um tempo exíguo, normalmente tão restrito, que sequer conseguem estabelecer um debate condizente com esse nome. Proíbe-se, entre outras coisas, o repasse de tempo de intervenção de uma pessoa para outra, o que  limita  a  exposição  de  valiosos  argumentos;  estabelece-se  tempo  limitadíssimo  de  falação  às  pessoas; proíbe-se projeção de material ilustrativo em plena era digital; inventa-se uma pausa em meio aos trabalhos para esvaziar o plenário. As imposições estabelecidas por estes “regimentos internos” acabam deformando de  
tal forma o debate que, via de regra, as discussões em pauta acabam se limitando às superficialidades – a forma de restringir uma boa compreensão por parte do público participante. É a pantomima que reina.  
  


Urge que as APs, em todas as esferas, sejam regulamentadas à luz dos atuais direitos de cidadania, impondo uma regra geral aos órgãos e instituições públicas, pois, acima de tudo, é o interesse público que está em  
questão  e  deve  ser  privilegiado,  e  não  os  interesses  privados  envolvidos  em  suas  pautas.  Além  de  exigir  
adequada divulgação do evento, e prever a possibilidade, inclusive, de continuidade da AP em outro momento,  
caso ela não esgote o assunto. Também deveria exigir o registro fidedigno das opiniões e posições externadas,para que possam ser levadas em conta pelos agentes públicos em suas análises processuais, e eventualmente  
até mesmo acolher alguma conclusão gerada na “AUDIÊNCIA”, fator que resgataria seu verdadeiro sentido.  
  


O que não pode continuar é esse “verdadeiro circo”, um faz de conta – mera “ANUÊNCIA”, a que todos nós  
somos  submetidos  todos  os  dias:  APs  de  fachada  para  cumprimento  formal  da  exigência  legal;  manifesto  
privilégio aos empreendedores envolvidos nos projetos e solene desconsideração por tudo que as comunidades  
aportam  de  conhecimento  e  posições  amadurecidas  em  seus  próprios  foros  de  discussão  autônomos  do  
Estado.  Esta,  aliás,  condição  sine  qua  non  para  que  haja  verdadeira  democracia  participativa  –  permitir  a  
explicitação (e não a supressão) dos conflitos existentes e sua melhor solução em vista o interesse público  
envolvido. Por tudo isso, fica claro que “AUDIÊNCIA NÃO É ANUÊNCIA!”. 

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