terça-feira, 4 de janeiro de 2011

'O presidente esteve a ponto de se tornar um autoritário'- ESP- 31 de dezembro de 2010 | 23h 11




Chico Oliveira, sociólogo aposentado da USP
Qual leitura o sr. faz dos oito anos do presidente Lula?
O balanço geral é mediano. Essa história de "nunca antes neste país" 
é conversa fiada. O Brasil foi a segunda economia mundial a crescer 
sustentadamente durante um século. Mas foi um crescimento 
feito sem nenhuma distribuição de renda. A gestão do presidente
 Lula não diminuiu desigualdade nenhuma, isso é lenda criada 
a partir de muita propaganda. O que houve foi uma transferência
 de renda a partir do governo para os estratos mais pobres. 
Distribuição ocorre quando existe a mudança da renda de uma classe
 social para outra. Nesse sentido, não houve nenhum avanço.
O sr. concorda com os que afirmam que Lula é um mito?
Sim, e como acontece em todos os casos o mito é maior do que
 a realidade. Ele construiu um mito poderoso devido a vários 
fatores, entre os quais, conta o muito o fato de ele ser de 
origem pobre. Até hoje o presidente é considerado um operário,
 mas não pega em uma ferramenta há 50 anos. Isso o ajuda a
 fomentar uma figura.
E o Bolsa-Família?
Nós fomos educados na ética cristã, que nos impede de sermos
indiferentes à fome. Então, ninguém pode ser contra. Agora, 
politicamente, o programa diz que o crescimento econômico 
continua sendo excludente, que é preciso algo por fora do salário
para dar condições de vida às pessoas. Outro fator grave é que
ele é uma regressão, uma volta à política personalista, baseada
no favor, algo ruim da tradição brasileira.
André Singer, cientista político e ex-assessor de Lula na 
Presidência, compara os anos Lula aos de Roosevelt
(presidente dos EUA entre 1933 e 1945 e recuperou a 
economia daquele país). O senhor concorda?
Respeito muito o André como intelectual. Ele elevou o nível de 
debate no PT. Mas acho que há um equívoco da parte dele. Lula
 não pegou o País em uma grave crise. Os anos do ex-
presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) não foram
gloriosos, mas não foram de quebradeira, de jeito nenhum. Roosevelt
pegou os EUA no fundo da crise. Além disso, o André se esquece
de que Roosevelt acabou com o trabalhismo americano. Entre as 
grandes democracias do mundo, a única na qual os trabalhadores
 não têm um partido é a dos EUA.
O sr. vê traços autocráticos no presidente Lula?
Montado nessa popularidade, ele exagerou. O presidente esteve
à beira de se tornar autoritário. Foi além dos limites. Só duas
pessoas no século 20 disseram, como ele, que eram a encarnação
do povo: Adolf Hitler e Joseph Stalin.
Lula e o PT chegaram ao Planalto fazendo um discurso forte 
contra a corrupção. O sr. se decepcionou nesse quesito?
O poder absoluto corrompe muito. O presidente do Brasil pode 
nomear muitos cargos. Não há partido que resista a uma coisa 
dessas. O PT se perdeu no poder, ficou menor do que o
presidente e não consegue impor seu programa. Lula e o PT 
tem um estilo predatório de administrar o Estado e lidar com as 
finanças públicas.
Lula foi melhor do que Fernando Henrique Cardoso?
Fui muito amigo do Fernando Henrique durante 12 anos e nos 
afastamos quando ele virou presidente. Fui revê-lo depois que ele 
deixou Brasília. Sei quem ele é e já fiz essa comparação. Fernando 
Henrique fez muito mal ao Estado com as privatizações. Ele, 
com isso, quebrou a capacidade de o Estado regular a 
economia, quebrou alguns instrumentos construídos com o sacrifício
do povo para que o Estado pudesse intervir na economia. 
Mas tentou avançar institucionalmente, e essa é a grande diferença
entre eles. O Lula não tem uma criação institucional. A República 
não avançou um milímetro com Lula. O que é celebrado na 
gestão Lula não se transformou em regra. Getúlio Vargas (ditador e 
presidente do Brasil de 1930 a 1945 e presidente de 1951 a 1954), 
quando criou as leis trabalhistas, obrigou as empresas a seguirem
as regras da nova legalidade, que significavam uma nova 
hegemonia. A sociedade caminha pela luta de classes dentro dos 
caminhos que a hegemonia cria. Não ocorreu isso com Lula.
Mas e o aumento do salário mínimo não é um avanço?
Não, é um processo da economia, nada está garantido. Se amanhã
a economia der para trás, o salário mínimo que se dane, não é
um avanço. O salário mínimo do Juscelino Kubitschek (presidente 
entre 1956 e 1961) chegou, em valores de hoje, a R$ 1.500, e caiu 
porque as forças do trabalho não tiveram capacidade de sustentá-lo
 e porque logo depois viriam os governos militares. Avanços são
direitos. Para ficar na história como um estadista, não apenas
como um presidente popular, Lula deveria ter transformado, por 
exemplo, o Bolsa-Família em legislação constitucional. Não fez
 reformas. O Lula não é um estadista, de jeito nenhum. Ele não 
é aquele que constrói instituições que significam uma nova hegemonia.
O sr. estava entre os fundadores do PT... *
Isso de fundador não faz muita diferença. Muita gente estava na fundação
do partido (no colégio Sion, em São Paulo, em 1980) e depois nunca 
mais apareceu. O que interessa é a militância, e eu fui militante.
Como o sr. acha que a era Lula ficará para a História?
Se os historiadores tiverem juízo, ele será lido como o presidente mais
privatizante da história. Ele não é estatizante, isso é falso, uma lenda
que a imprensa inventou e que ele usa como arma. Ele é
privatizante no sentido de estar criando regras para que poucos
grupos controlem a economia brasileira, usando o BNDES 
(Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) para isso.
Com Lula, nós estamos entrando naquilo que a teoria marxista chamava
de capitalismo monopolista de estado, do qual não há volta. Todas as
vezes que essas forças crescem, as dos trabalhadores diminuem. É 
esse país que ele vai legar para a Dilma.
Diante da alta popularidade de Lula, o sr. se arrepende de ter saído 
do PT? **
De jeito nenhum. Esse negócio de popularidade é como maré, vai e volta.
QUEM É
Chico de Oliveira é professor aposentado de sociologia da Universidade 
de São Paulo, da qual recebeu o título de professor emérito, e foi um dos
fundadores do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Entre seus
livros, destaca-se Crítica à Razão Dualista.

 Nota do blogger:
*: Gert Schinke também esteve no Colégio Sion em 1980, como
delegado do Movimento Pró-PT do RS, e continua militante até 
hoje em vários movimentos sociais. Saiu do PT em 1991 e atualmente
é filiado ao PSOL.
**: Gert Schinke jamais se “arrependeu” de ter saído do PT, sendo 
que após sua desfiliação àquele partido, houve intensa campanha
de difamação sobre sua pessoa em Porto Alegre e região, com 
a produção de dossiê, culminando com perseguição 
política até bem recentemente por via de sua demissão do
BESC em 2005, patrocinada pelos dirigentes locais do PT
em retaliação à sua resistência em corroborar projetos
sociais duvidosos à entidades ligadas ao partido em SC.

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