Ambientalista
Barry Commoner morre aos 95 anos

O biólogo norte-americano Barry Commoner, considerado um dos fundadores da ecologia moderna, morreu no último domingo (30), em Nova York, aos 95 anos. Commoner nasceu no Brooklyn em 28 de maio de 1917. Graduou-se em Zoologia pela Universidade Columbia e fez mestrado e doutorado em Harvard. Após servir como tenente na Marinha dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial, mudou-se para Saint Louis, onde foi professor de fisiologia vegetal na Universidade Washington por 34 anos. Em 1966, fundou o Centro de Biologia de Sistemas Naturais na universidade, para estudar “a ciência do meio ambiente total”.
“Commoner foi um líder em uma
geração de cientistas-ativistas que reconheceu conseqüências danosas do boom de
tecnologia pós-Segunda Guerra e foi um dos primeiros a alimentar o debate
nacional sobre o direito do público de compreender os riscos e tomar decisões
sobre eles”, destacou o jornal New York Times em obituário.
O trabalho de Commoner a respeito dos efeitos globais da radioatividade promovida por atividades nucleares, com destaque para o registro das concentrações de estrôncio 90 nos dentes de milhares de crianças, contribuiu grandemente para a adoção do “Tratado de Interdição Parcial de Ensaios Nucleares”, assinado por mais de 100 países em 1963. A partir dali, Commoner se tornaria um dos mais conhecidos ambientalistas do mundo, autor de livros que se tornaram best-sellers, como The Closing Circle (1971) e The Poverty of Power (1976). Em 1970, ano do primeiro Dia da Terra, a revista Time colocou Commoner em sua capa, com o título Ambientalista Barry Commoner – A Emergente Ciência da Sobrevivência.
A popularidade e o engajamento em
causas ambientais e sociais o levaram a concorrer à Presidência dos Estados
Unidos, pelo Partido dos Cidadãos, em 1980. Commoner obteve 234 mil votos na
eleição que foi vencida por Ronald Reagan.
Um dos grandes legados de
Commoner foi publicado em The Closing Circle e ficou conhecido como as Quatro
Leis da Ecologia: “Tudo está interligado; Tudo deve ir a algum lugar; A
Natureza sabe melhor; Não há almoço de graça” (em tradução livre).
“Commoner acreditava que poluição
ambiental, guerra e desigualdades raciais ou sexuais deveriam ser tratadas como
assuntos relacionados a um problema central”, apontou o New York Times, que
ressaltou o papel do ambientalista como crítico do capitalismo.
“Não acredito no ambientalismo
como solução para coisa alguma. O que eu acredito é que o ambientalismo ilumina
as coisas que precisam ser feitas de modo a resolvermos juntos nossos
problemas”, disse Commoner. (Fonte: UOL)
Homenagem a ‘hobs’
Intérprete incansável do século
20
Sem teorizações intrincadas ou
narcisismo autocomplacente, soube equilibrar distanciamento e engajamento
crítico
ELIAS THOMÉ SALIBA - O Estado de
S.Paulo – 02.10.12
"O perfil do bom historiador
não pode se parecer nem com o carvalho nem com o cedro, por mais majestosos que
sejam, e sim com um pássaro migratório, igualmente à vontade no ártico e no
trópico - e que sobrevoa ao menos a metade do mundo." Ao escrever isso em
2002, Eric J. Hobsbawm talvez estivesse descrevendo a própria trajetória, que
se encerrou na manhã de ontem, em Londres, onde o historiador morreu aos 95
anos, vítima de uma pneumonia.

Nos anos da 2.ª Guerra Mundial
integrou a divisão do Exército britânico que cavava trincheiras, atuando ainda
como tradutor no setor de inteligência militar. Quando concluiu seus estudos,
pagou o aluguel escrevendo uma coluna semanal sobre jazz no New Statesman - com
o pseudônimo de Francis Newton (textos depois reunidos no livro História Social
do Jazz). Em 1962, em sua segunda visita a Cuba, serviu até de tradutor para
Che Guevara.
"Não se podia ensinar nada a
ele, seria impossível. Eric já sabia de tudo." Assim resumiu Christopher
Morris, orientador de estudos em Cambridge, quando indagado a respeito do jovem
Hobsbawm: daí começou a carreira ininterrupta de um historiador instintivamente
poliglota e cosmopolita em todas as suas referências e um dos raros
representantes de uma geração que teve o privilégio de ser, ao mesmo tempo,
testemunha e intérprete dos últimos 90 anos da história mundial.
Nas décadas de 1930/40, quando se
formou, a Inglaterra era o único país onde surgiu uma escola de historiadores
marxistas. Talvez porque no rol curricular das universidades inglesas a
literatura havia tomado o espaço deixado pela filosofia. É que a geração de
Hobsbawm - representada por nomes como Christopher Hill, Edward Thompson e
Raymond Williams - adentrou a oficina da história através da paixão pela
literatura. O extremo rigor da pesquisa também marcou a obra historiográfica
desta geração new left, que se formou no auge do clima ideológico de suspeita
da Guerra Fria. Certamente, veio da paixão pela literatura o domínio que estes
historiadores tinham da escrita e o motivo pelo qual Hobsbawm tenha se tornado
um mestre da prosa inglesa: sem teorizações intrincadas e nenhum traço de
narcisismo autocomplacente, ele é dono de um estilo claro, conciso,
equilibrando - em doses exatas - distanciamento e engajamento crítico.
"Fui um antiespecialista em
um mundo de especialistas, um intelectual cujas convicções políticas e obra
acadêmica foram dedicadas aos não intelectuais", escreveu em Tempos
Interessantes - livro que virou um paradigma de como deveriam ser escritas
todas as autobiografias. Apesar do seu precoce - e nunca explicitamente abandonado
- engajamento comunista, sempre assumiu um olhar historiográfico desenraizado e
pouco afetivo. Definia-se como "um historiador pertencente a minorias
atípicas, imigrante na Grã-Bretanha, inglês entre centro-europeus e judeu em
toda parte - sentindo-se anômalo até entre os comunistas", reconhecendo-se
apenas na frase definidora que E. M. Forster utilizava para definir um poeta:
"Ele ficava num ângulo ligeiramente oblíquo em relação ao universo".
O que também o tornou um
pesquisador suscetível a uma versatilidade incomum. Das rebeldias primitivas ao
banditismo social, das rebeliões de trabalhadores pobres ao significado do
feriado do 1.º de maio, da máfia aos luddistas e às tradições inventadas -,
Hobsbawm escreveu sobre os mais diversos temas, revelando domínio dos fatos e
surpreendentes interpretações. Sua panorâmica história do "triunfo e
transformação do capitalismo", que começa com a dupla revolução - a
Primeira Revolução Industrial inglesa e a Revolução Francesa - e termina com a
queda dos regimes comunistas na década de 1990 -, tornou-o mundialmente famoso.
Traduzido em centenas de países, estes quatro livros - abrangendo da era das
revoluções até o breve século 20 - se tornaram parte da bagagem obrigatória não
apenas dos estudantes de humanidades, mas de um público bem mais amplo.
Hobsbawm sempre tinha algo
importante a dizer e seus posicionamentos foram sempre críticos. Quando caiu o
Muro de Berlim, muitos apressadinhos anunciaram e apegaram-se à desacreditada
idéia do "fim da história". Francis Fukuyama retocou a maquiagem de
um antigo livro de Alexandre Kojève sobre Hegel e colocou em circulação esse
diagnóstico vistoso, mas pouquíssimo convincente - que foi solenemente
abandonado depois dos eventos tristemente célebres de setembro de 2001.
Hobsbawm chegou a dizer que até acreditava no "fim da história" -
mas, num sentido bem diferente: é o fim da história tal como a conhecemos nos
últimos 10 mil anos. Isto porque, nos primeiros anos do terceiro milênio, as
mudanças estão se acelerando num ritmo estonteante, quase impossível de se
acompanhar com os olhos, os conceitos - e até com as próprias palavras - que
dispúnhamos para compreender o século 20.
Era sempre difícil para um
historiador de formação marxista reconhecer, mas o autor de A Era dos Extremos
não acreditava em saltos ou mudanças radicais no capitalismo. Nem por isto
deixava de assumir uma posição impiedosamente crítica em relação à história
mundial. A globalização trouxe consigo uma dramática acentuação das
desigualdades econômicas e sociais, tanto no interior das nações quanto entre
elas próprias. Embora a escala real da globalização permaneça modesta, seu
impacto político e cultural é desproporcionalmente grande e muito mais sensível
para os que menos se beneficiam dela. Por outro lado, nos seus últimos escritos
e entrevistas, Hobsbawm deixava bastante claro como estávamos enfrentando os
problemas do século 21 com um pífio conjunto de mecanismos políticos,
flagrantemente inadequados para resolvê-los. Sua defesa dos valores iluministas
era intransigente: acreditava que eles constituíam os únicos alicerces que
temos para construir sociedades justas, seja qual for o lugar da Terra e para
todos os seres humanos. "Quando as pessoas não têm mais eixos de futuros
sociais acabam fazendo coisas indescritíveis", escreveu no ensaio
Barbárie: Manual do Usuário.
Ele próprio, apesar de
"pássaro migratório", como historiador nunca perdeu seu eixo, que
sempre foi o marxismo. Suas convicções políticas incluíam a hostilidade a toda
forma de imperialismo, tanto das grandes potências que afirmam "estar
fazendo um favor às suas vítimas ao conquistá-las, quanto a do homem branco que
pressupõe uma superioridade automática sobre as pessoas cuja pele tem outra
cor". Mas seu tom só se elevava quando confrontado com as lúgubres
perversidades da era stalinista. O episódio da violenta intervenção soviética
na Revolução Húngara em 1956 é um exemplo marcante. Certa vez, quando Arthur
Koestler - irritado e em alto estado etílico numa tarde emotiva num bar
austríaco - lhe cobrou a ausência de posicionamento, Hobsbawm mostrou-lhe uma
carta coletiva na qual havia denunciado as atrocidades.
Mais recentemente, o historiador
Tony Judt disse que Hobsbawm era admirável em sua fidelidade ao comunismo, mas
alfinetou: "Para fazer algum bem no novo século, devemos começar dizendo a
verdade sobre o antigo e um historiador do seu quilate não poderia mais se
recusar a encarar o demônio e chamá-lo pelo nome: o stalinismo e todos os seus
crimes hediondos". Hobsbawm respondeu que as críticas de Judt eram
improcedentes, pois em A Era dos Extremos encarava o problema, criticando-o.
Retrucou ainda que condenava "aqueles intelectuais anticomunistas que hoje
têm apenas uma bandeira única, a de serem exclusivamente anticomunistas,
esquecendo-se completamente das ideias pelas quais lutavam". "Judt
deseja apenas que eu diga que estava errado - e não vou satisfazê-lo",
finalizou Hobsbawm. A polêmica não rendeu, parando nestas tantas cutiladas
curtas, até porque logo depois Judt cairia doente e morreria. É pena. Pois o
debate poderia se alongar, ao refletir sobre o imenso abismo ético que se abriu
entre os intelectuais europeus do "leste" e os "ocidentais"
em função da própria história e da experiência de cada um com o comunismo.
Abismo que se mantém até hoje.
Perscrutador incansável do seu
século, Hobsbawm deixou uma obra que é aula magistral de história
contemporânea. Ele sabia ainda, quando necessário, provocar o leitor com
tiradas irônicas. Seu relato dos estertores da democracia alemã, no fim da
República de Weimar, é resumido numa única frase: "Estávamos no Titanic, e
todos sabiam que ele estava batendo no iceberg". Ao discorrer sobre os
movimentos estudantis dos anos 1960, ele chegava a argumentar que "a marca
distintiva realmente importante na história da segunda metade do século 20 não
é a ideologia nem as ocupações estudantis, e sim o avanço do jeans". E,
finalmente, ao refletir sobre o poder em geral, sintetiza-o simplesmente pela
megalomania, que ele define como "a doença ocupacional dos países e dos
governantes que crêem que seu poder e seu êxito não têm limites".
Um humorista inglês brincou,
certa vez, definindo a escola de historiadores marxistas de Hobsbawm como os
"cavaleiros da távola redonda em busca do perdido Graal". Com a morte
de Hobsbawm desaparece um dos mais brilhantes historiadores de nossa época e
talvez o último daquela primeira geração de marxistas, para os quais a
Revolução de Outubro - uma espécie de Graal - era referência central no
horizonte político. Marca também o desaparecimento de um dos últimos
historiadores que colaram de tal forma sua trajetória de vida com a história
pública, que elas parecem indistinguíveis. "O sonho da Revolução de
Outubro ainda está em algum lugar dentro de mim, assim como um texto apagado no
computador lá permanece, à espera dos técnicos que o recuperem dos discos
rígidos", confessou Hobsbawm. E em lacônica resposta à tirada humorística,
concluiu: "Porque se desistirmos do Graal, desistiremos de nós
mesmos".
Ao menos na França, Eric Hobsbawn
foi tratado em sua morte como em vida - como um maldito. A história da ruptura
entre a intelligentsia francesa e o pensador marxista foi escancarada ao longo
dos anos 90, quando da publicação seu mais célebre livro, A Era dos Extremos.
Seu trabalho foi reconhecido e ganhou conversão "a todas as línguas
oficiais da União Européia, salvo uma", como ele dizia. Ganhou ainda
versões "nas línguas dos antigos Estados comunistas da Europa central e
oriental", em polonês, em checo, em romeno, esloveno, em albanês. Só
então, graças à iniciativa de um editor belga e do jornal Le Monde
Diplomatique, a tradução para a língua de Rousseau, enfim, aconteceu.
A melhor explicação para a
indiferença talvez tenha sido dada por uma revista americana: "O apego,
mesmo distante, à causa revolucionária, Eric Hobsbawn o cultiva certamente como
um ponto de orgulho, uma fidelidade orgulhosa, uma reação ao tempo. Mas, na
França, e neste momento, é difícil de engolir".
A soberba da intelligentsia
francesa imperou nesta segunda-feira. Foi necessário que Pierre Laurent, um
intelectual de esquerda, viesse a público para uma homenagem ao autor. "Os
progressistas perdem um dos seus. Todos aqueles que se interessam pela história
do século 20 perdem um grande espírito, um pensamento-mundo." / ANDREI
NETTO, DE PARIS
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