Artigo original em:
07 de agosto de 2013
O que significa a palavra "emergência" na usina
de Fukushima Daiichi? Esta palavra foi tão utilizada nos últimos dois anos
e meio que é difícil acreditar em uma situação de emergência, quando Fukushima
não preocupa mais muita gente, há muito tempo. E, no entanto, esta palavra
acaba de ser utilizada pelo responsável da segurança nuclear no Japão: segundo
a agência Reuters,
o chefe de um grupo de trabalho em Fukushima da ARN – Autoridade de Regulação
Nuclear Japão – anunciou segunda-feira que Fukushima estava em estado de
"emergência". E Shinji Kinjo não é alguém que se preocupa,
habitualmente: em 15 Março de 2011, depois da terceira explosão na usina de
Fukushima Daiichi, esse especialista disse que o aumento da radioatividade não
teria efeitos imediatos sobre a saúde. Isso mostra o quanto suas
declarações públicas de hoje são preocupantes. Para compreender o porquê
desse homem sair do seu silencio habitual e questionar duramente a operadora
Tepco, temos que voltar aos acontecimentos iniciados no mês passado. Este artigo
tem como objetivo fazer um balanço da situação relativa às águas contaminadas
da usina de Fukushima Daiichi.
O gerenciamento das águas de Fukushima Daiichi
Para bem apreender a situação, é necessário conhecer o
estado de coisas. Resumindo, em março de 2011, os porões da usina foram
completamente inundados pelo tsunami, o que resultou, inicialmente, na presença
abundante de água salgada. Em seguida, ela sofreu três meltdowns/colapsos
(coração de fusão) – ou seja, o mais temido dos acidentes da indústria nuclear
– cada um formando um corium de cerca de 70 a 90 toneladas. Pior ainda,
pelo menos um dos coriums atravessou a cuba do reator e só foi parar e se
solidificar no fundo do recinto de contenção; essa é a versão oficial. No
entanto, até hoje a Tepco não foi capaz de mostrar nenhuma informação que
comprove tal versão. Pois existe uma outra hipótese: o corium pode ter
atravessado a balsa de fundação, o que o teria levado à camada geológica que
contém o lençol freático. Essa hipótese também não foi provada por ninguém,
pois é impossível contar com informações, uma vez que a Tepco costuma reter uma
grande parte dos dados. Mas essa hipótese é cada vez mais plausível, vamos ver
o porquê.
A rega dos núcleos fundidos
A Tepco rega os núcleos derretidos – ou, ao menos, a sua
suposta localização nos tanques – para remover o calor residual. Isso
requer cerca de 360 m3 de água por dia. A água, em vez de ficar nos
tambores de contenção, espalha-se nos porões da usina, possivelmente devido a
falhas causadas pelo terremoto de 11 de março de 2011. Estima-se que
100.000 toneladas de água contaminada estão estagnadas no subsolo da
usina. A contaminação dessa água é muito grande: as últimas medições
registram 5,7 milhões Bq/L para a Unidade Um, 36 milhões de Bq/L para a Unidade
2, e 46 milhões de Bq/L para a unidade 3.
As águas subterrâneas
Uma outra fonte de água, incontrolável, foi rapidamente
constatada, é a do lençol freático, que chega de todos os lados: 400 m3 de
água por dia, que se mistura e que se contamina à que é utilizada para o
resfriamento.
Para que o nível da água não suba e que o local não se
torne um pântano radioativo, Tepco é obrigada a bombear permanentemente a água
dos porões. Esta água é então enviada a sistemas complexos de tratamento,
que remove a salinidade e retira parte dos radionuclídeos. A água é então
armazenada em tanques, e uma parte é usada novamente para o
resfriamento. Com efeito, para evitar de relançar a água radioativa no
oceano, ela é armazenada no site. Atualmente, existem cerca de 1.000
tanques contendo cerca de 300.000 m3 de água contaminada. Em 5 de
agosto de 2013, a Tepco anunciou ter ainda 60 mil m3 de armazenamento
disponível, o que lhe permitiria se manter até dezembro de 2013. No longo
prazo, dentro de dois anos, a Tepco planeja aumentar sua capacidade de
armazenamento para 700 mil m 3.
A luta contra o abastecimento de água
Para evitar ter que tratar muita água, a Tepco instalou
12 poços reatores em montante, para bombear a água do lençol freático antes de
entrar no porão. Essa operação, na verdade, permite o bombeamento de
apenas 100 m3/dia. Mas como o local onde estão chumbados esses poços foi
contaminado por vazamentos de água altamente radioativa de tanques subterrâneos
que o operador tinha cavado no chão – para reduzir o custo dos tanques de metal
– ainda não existe autorização para liberar a água no mar. De fato, após o
tumulto causado pela liberação de 11.500 m3 de água radioativa no oceano
em março de 2011, Tepco prometeu não fazê-lo mais sem a autorização dos
pescadores. Mas hoje, os pescadores perderam a confiança e eles provavelmente
têm razão.
Parede impermeável e vazamentos em direção ao mar
Planejada há dois anos, a construção de uma parede
impermeável de aço e concreto, entre a usina e o mar, deveria estar concluída,
hoje. Mas isso não aconteceu. Provavelmente por razões financeiras
(obviamente custa muito caro) e humanas (dificuldade de recrutar
trabalhadores), a construção da barreira está longe de terminar.

Ora, ao que parece, a utilização desta técnica em uma
extensão de 100 metros provocou a subida do nível da água subterrânea em
jusante da usina ao nível da unidade 2: o nível de água em um dos poços
aumentou um metro desde o início de julho. Isso parece bastante lógico,
uma vez que as águas subterrâneas se movem da montanha para o mar. Ao
encontrar um obstáculo, há uma elevação do nível. O grande problema é que
esta água é fortemente contaminada, Tepco reconheceu que "é possível que a
água tenha começado a passar por cima da parede subterrânea", o que,
provavelmente, signifique que ela já está chegando ao oceano.
Água contaminada no oceano
As medições realizadas no mar nos últimos dois anos e
meio mostram que a radioatividade não baixa perto da usina de Fukushima
Daiichi, embora o decréscimo radioativo e a diluição deveriam ter provocado uma
redução significativa da poluição. Poderíamos supor, portanto, que a usina
liberava cursos d’água radioativos, mas a Tepco recusa-se, até hoje, a admitir
tal situação. Somente em 22 de julho de 2013 a operadora reconheceu uma
poluição do Pacífico e, em 2 de agosto, a Tepco anunciou que a quantidade total
de trítium lançado a partir de maio de 2011 foi algo entre 20.000 e 40.000
bilhões de becquerels (20 e 40 TBq). De fato, depois do vazamento de 2011
que eles lutaram para estancar, a Tepco tinha se comprometido a bloquear as
tubulações, o que, no entanto, nunca foi feito durante dois anos, a situação,
em tese, tendo sido "estabilizada".
Percebe-se em todos os momentos que a operadora não é um
serviço público – mesmo sendo o estado japonês o acionista majoritário –, mas
sim uma empresa comercial que, sempre buscando lucros, evita ao máximo ter
despesas. Finalmente, em 7 de agosto de 2013, o governo, através da
Agência de Recursos Naturais e Energia, anuncia que 300
m 3 de água contaminada são lançados, diariamente, no mar.
Bombeamento de emergência
O conjunto de dutos-túneis-trincheiras a jusante da usina
contém cerca de 15.000 m3 de água contaminada. Diante da insistência
da NRA, a Tepco se comprometeu a começar a bombeá-los a partir do próximo fim
de semana, apesar de que já tinham programado este novo projeto apenas para o
final de agosto. Uma vez que que o tanque que deveria recolher essa água
adicional perto da unidade 2 ainda não foi construído, isso reduzirá
automaticamente a capacidade de armazenamento do local.
Desde o mês de junho de 2013, a Tepco tinha constatado um
aumento da radioatividade na água de um conduto situado próximo da Unidade
2. Mas, em julho, a situação foi de pânico: duas amostras tiradas de
trincheiras que servem, de fato, de reservatórios de água contaminada desde o
início do desastre, deram informações impressionantes: a primeira amostragem
(19 de Julho de 2013) resultou em 36 bilhões de Bq/m3 de césio 134/137, e
a segunda (26 de Julho de 2013) deu 2.350 bilhões de Bq/m3. Daí o estado
de emergência declarado pelo NRA.
As trincheiras que transbordam
Atualmente, há evidências de que a água contaminada passa
sobre a barreira química. Pode-se pensar também que ela passe por baixo e
também pelos lados dessa barreira, uma vez que esse muro químico é
intermitente. Pode-se presumir, igualmente, que, durante os últimos dois anos
todos os comunicados da Tepco dizendo que o lençol freático teria se mantido
“comportadamente” sob a usina são, na realidade, uma enorme farsa. Em
recente programa na Asahi TV, especialistas denunciaram os projetos
desastrosos da operadora.
Até o momento, nenhuma ação visando conter a água
contaminada foi eficaz. Elas foram feitas a despeito do senso
comum. No entanto, desde o início muitos especialistas reclamam a
necessidade de um recipiente subterrâneo fechado, uma espécie de sarcófago
subterrâneo gigantesco cuja construção levaria dois anos. Se esta decisão
tivesse sido tomada há dois anos, o lançamento de água contaminada no Oceano
Pacífico talvez pudesse ter sido estancado, hoje. Talvez, pois não sabemos o
quão profundo deveria ficar esse sarcófago. A usina de Fukushima repousa sobre
camadas sedimentares arenosas e é provável que a água possa facilmente fluir em
profundidades insuspeitas.
O corium saiu da cuba?
Segundo a ACROnique de Fukushima de 1o de agosto, os
últimos resultados da medição da contaminação de césio da água dessas valas
mostram concentrações em centenas de milhões de becquerels por litro no reator
nº2. Quanto mais a profundamente se extrai a água, mais ela é radioativa,
relata também Gen4: registra-se até 950 milhões de becquerels por litro. Essa
constatação sugere que a água que resfria os coriums sai do tanque de contenção
e libera seus radionuclídeos continuamente nas águas subterrâneas. Uma vez
que a Tepco mente por omissão, permanentemente, em todas as frentes e desde o
início da crise, é razoável pensar que se trata da última anedota da operadora
maldita.
O que fazer agora?
Agora que o governo revelou que 300 m3/dia de água
contaminada são lançados continuamente ao mar, o que será possível
fazer? Torna-se extremamente crítico trabalhar neste entorno cada vez mais
radioativo. Apesar dos hidro-geólogos da NRA dedicarem-se a trabalhar nesse
assunto, raramente a teoria é consistente com o campo. A água termina
sempre por se infiltrar e se instalar. Seria perigoso se o solo onde está
construída a usina se tornasse um lamaçal radioativo, pois ele poderia se
tornar instável. A solução a curto prazo é ainda bombear e armazenar. A
solução a longo prazo ainda não é conhecida. Ou então, é preciso fazer
como o IRSN e continuarmos otimistas independentemente do que aconteça: "Tendo
em vista os valores observados nas águas subterrâneas, o significado da
radiação lançada ao oceano pelo site deveria ser buscado no significado
terrestre global, considerando as medidas tomadas e que os eventuais impactos
ambientais tendem a permanecer localizados na vizinhança imediata da usina,
devido à alta capacidade de diluição do oceano.” (IRSN,
10 de julho de 2013).

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